A complementaridade da energia solar em hidrelétricas brasileiras

A energia solar como complemento nas hidrelétricas brasileiras

O aumento na produção de energia renovável tem desempenhado um papel importante na redução das emissões de carbono e na ampliação da variedade de fontes de energia em uso global. Neste cenário, a utilização de usinas híbridas emerge como uma abordagem eficaz para a maximização dos recursos renováveis, enquanto os sistemas de armazenamento de energia desempenham um papel crucial na atenuação das flutuações na disponibilidade dessas fontes de energia.
Tempo de leitura: 6 min

O Brasil desfruta de uma posição privilegiada no cenário global quando se trata de geração de energia hidrelétrica. De acordo com dados do Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, o país detém o terceiro maior potencial de energia hidrelétrica do mundo, correspondendo a 10% desse recurso, ficando atrás apenas da China (com 13%) e da Rússia (com 12%).

Atualmente, o país possui uma capacidade instalada total de 187,7 GW, conforme informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico, sendo que ainda resta um considerável potencial hidrelétrico de 137 GW a ser explorado. É importante observar que uma parte substancial desse potencial hidrelétrico já foi aproveitada e convertida em usinas de energia.

Desafios da energia renovável no Brasil

1. Escassez de chuvas e redução na geração hidrelétrica

Nos últimos anos, o Brasil enfrentou uma série de secas que evidenciaram a necessidade do país por recursos renováveis complementares para mitigar os riscos energéticos decorrentes da escassez de chuvas. Em 2021, foram gerados apenas 66,3 GWh, registrando a menor produção de energia em 26 anos (Itaipu Binacional, 2021).

2. Mudanças no complexo de geração de energia

Além disso, mudanças significativas no complexo de geração de energia estão modificando a estrutura da rede elétrica nacional. O Plano Decenal de Expansão de Energia Nacional indica que a energia eólica e solar experimentarão um crescimento superior a 30% até 2030.

De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a capacidade instalada operacional de energia solar atingiu 23,9 GW em 2022, ultrapassando a energia eólica, com 23,8 GW, tornando-se assim a segunda fonte mais representativa na matriz elétrica nacional.

Soluções para mitigar os desafios energéticos

1. Dificuldades em atender às demandas de energia

Diante desse cenário, o sistema elétrico brasileiro enfrentará novos desafios nos próximos anos. Um exemplo é a crescente dificuldade em atender às demandas de energia por hora devido à redução da capacidade de regularização dos reservatórios hidrelétricos, juntamente com a imprevisibilidade dessas fontes de energia alternativas não controláveis, como eólica e solar.

Veja abaixo a demonstração da crise hídrica brasileira, que alterou drasticamente o cenário dos custos operacionais marginais.

Desafios da energia renovável no Brasil
Custo Marginal de Operação (CMO) Patamar de carga por Subsistema | Fonte: ONS (2022b)

2. Sinergia entre energia fotovoltaica e usinas hidrelétricas no Brasil

Se uma das usinas hidrelétricas estiver localizada próxima a uma usina de energia fotovoltaica, existe a oportunidade para essas duas fontes trabalharem em conjunto, expandindo assim a qualidade da geração de energia e proporcionando vantagens competitivas em relação a outras fontes intermitentes. Essa solução para parques hidrelétricos permite uma maior previsibilidade e tempo de geração de energia.

Crescimento da Energia Solar no Brasil

O crescimento real da energia solar, que totalizou em janeiro de 2022 e representou 11% da carga total no Sistema Interligado Nacional (SIN), superou significativamente as projeções do Ref., que previam menos de 0,2% do SIN. Outro segmento que demonstra um crescimento robusto na energia solar está relacionado às usinas de energia híbrida, que podem ser associadas às usinas hidrelétricas, bastante comuns no Brasil.

Deng et al. exploraram a crescente competição da energia solar devido à redução de custos e sua combinação com a energia hidrelétrica, sendo uma fonte de energia mais confiável. Seus resultados indicaram que a relação de capacidade instalada ideal varia conforme as características da usina hidrelétrica, fornecendo informações valiosas para otimizar o desempenho econômico, com base em estudos de caso na África.

Desenvolvimento de metodologias para projetos hidro-fotovoltaicos

Além disso, Zhang et al. desenvolveram uma metodologia que resultou em um projeto otimizado de hidro-fotovoltaico (PV) conectado à rede, com ênfase em operações conjuntas de curto prazo para hidro-PV.

Em um estudo de caso na China, os resultados demonstraram a viabilidade da proposta; mais especificamente, a pesquisa destacou uma expansão significativa na capacidade de transmissão de energia, atingindo uma utilização máxima.

A combinação de hidrelétricas e PV em um sistema de geração de energia está projetada para se tornar mais flexível com a esperada redução de custos ao longo das próximas décadas.

Essas abordagens podem reduzir os custos de usinas em áreas com baixo potencial hidrelétrico, onde os custos de interconexão podem ser obstáculos ao projeto.

Observou-se que a redução das falhas no fornecimento de energia está associada a uma maior complementaridade dos elementos para a produção de energia renovável. Resultados preliminares demonstram que complementaridade pode ser usada para projetar sistemas de geração híbrida mais eficientes.

A Importância do armazenamento de energia

Considerando os erros nas projeções, a energia solar tende a ser maior do que o esperado, indicando uma capacidade de energia futura mais baixa, reforçando a necessidade de investimento em tecnologias de armazenamento de energia, como o armazenamento hidrelétrico bombeado (UHR).

Do ponto de vista da produção de energia, a UHR é essencialmente uma geração hidroelétrica tradicional, associada a uma estação de bombeamento e, por isso, é considerado uma tecnologia integrada, tanto renovável quanto de baixo custo operacional. Por outro lado, alguns aspectos são claramente diferentes das aplicações hidroelétricas convencionais, como os conceitos de arranjo, critérios operacionais e funções desempenhadas pelo sistema elétrico.

Funcionamento das usinas de armazenamento por bombeamento

As usinas de armazenamento de energia por bombeamento são compostas por dois reservatórios localizados em níveis distintos e conectados por um sistema de adução e um conjunto de máquinas reversíveis.

Essas máquinas operam como bombas e turbinas no seguinte ciclo: durante as horas de pico, a água flui do reservatório superior para o inferior, acionando o gerador elétrico por meio da turbina hidráulica. Durante os períodos de baixo consumo, a água é bombeada de volta para o reservatório superior para reutilização durante os períodos de alto consumo de energia.

Benefícios do armazenamento por bombeamento para a rede elétrica brasileira

O Armazenamento por Bombeamento (UHR) tem a capacidade de produzir energia complementar, atender à demanda de pico de energia e facilitar o uso dos sistemas de transmissão. Esses fatores favorecem um maior equilíbrio entre a demanda e a geração no Sistema Interligado Nacional (SIN).

Nesse sentido, a adoção da UHR pode mitigar a intermitência de fontes de energia renovável, como eólica e solar, aumentando assim a segurança energética por meio da descentralização do armazenamento de energia, que atualmente está predominantemente concentrado na região sudeste do Brasil.

Os sistemas de bombeamento hidráulico são capazes de aumentar a disponibilidade hídrica para múltiplos usos da água e contribuir para a descentralização do armazenamento de energia, oferecendo assim uma maior segurança energética (RAIMUNDO, 2019).

Desafios Regulatórios para UHR no Brasil

Assim como outros sistemas de armazenamento de energia, as UHR ainda não possuem suas próprias licenças regulatórias no Brasil. Embora o país tenha um grande potencial hidrelétrico, novos projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) têm sido planejados sem considerar a formação de reservatórios com o objetivo de preservar o meio ambiente.

Além disso, eles não possuem capacidade de armazenamento e operam de acordo com o fluxo natural dos rios e, devido a essas características, são chamados de “usinas a fio d’água”.

Dessa forma, a operação do sistema energético brasileiro tem se tornado cada vez mais dependente de chuvas favoráveis. Assim, com as mudanças climáticas e a crescente participação de fontes intermitentes, como solar e eólica, o sistema de geração do país está se tornando mais suscetível a inseguranças e falhas a cada dia.

A Importância da segurança energética

O Brasil possui um grande potencial hidrelétrico e muitas usinas de energia. Portanto, torna-se cada vez mais importante garantir a confiabilidade do sistema, especialmente considerando que o risco de escassez de energia é mais provável em momentos de menor disponibilidade hídrica.

Dado que o país já possui um grande número de reservatórios, existe um maior potencial para a instalação da tecnologia de UHR para recuperar os níveis dos reservatórios em todo o país.

Referências

[1] Brasil, Plano Nacional de Energia 2030 — Geração Hidrelétrica. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética, MME/EPE, Brasília, 2007.

[2] ONS, Carga e geração, 2021. Disponível em: http://www.ons.org.br/paginas/energia-agora/carga-e-geracao, 15 dez. 2021.

[3] J. Pessoa, A Implantação de Usinas Reversíveis no Brasil, 2021. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/implanta%C3%A7%C3%A3o-de-usinas-revers%C3%ADveis-brasil-jos%C3%A9-augusto-pimentel-pess%C3%B4a-1e/, 15 out. 2021.

[4] Brasil, Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética, MME/EPE, Brasília, 2020.

[5] N. Castro, et al., Características e Funcionalidades das Usinas Hidrelétricas Reversíveis, Agência Canal Energia, Rio de Janeiro, 2018.

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[7] C. Alencar, et al.. Estudo da complementariedade da geração de energia entre as fontes solar e hidráulica. Gramado. Congresso, in: congresso brasileiro de energia solar, 7. Gramado: Congresso Brasileiro de Energia Solar, 2018, 2018.

[8] EPE, O Compromisso do Brasil no Combate às Mudanças Climáticas: Produção e Uso de Energia, 2016.

[9] ABSOLAR, Energia Solar Fotovoltaica No Brasil: Infográfico Absolar, Infográfico ABSOLAR, 2022. Disponível em: https://www.absolar.org.br/arquivos/, 13 fev.

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[13] R. Bettega, Influência das usinas hidrelétricas reversíveis no desempenho do sistema interligado brasileiro. 2020. 136 f. Tese (Doutorado) — Curso de Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental, Universidade Federal do Parana, Curitiba, 2020. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/69963, 03 maio 2021.

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[16] Brasil, Plano Decenal de Expansão de Energia 2026. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energ´etica, MME/EPE, Brasília, 2017.

[17] J. Mensah, I. Santos, D. Raimundo, M. Botan, R. Barros, G. Tiago Filho, Energy and Economic Study of Using Pumped Hydropower Storage with Renewable Resources to Recover the Furnas Reservoir. Renewable Energy, [S.L.], vol. 199, Elsevier BV, nov. 2022, pp. 320–334, https://doi.org/10.1016/j.renene.2022.09.003.

Sobre o autor:

Marina Vilela
Mestre em Engenharia de Energia, com formação em Engenharia Civil, sou também Pós-Graduada em Engenharia de Segurança do Trabalho.

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